Na madrugada de domingo pra segunda, às 3:30 saímos bem sonolentas pra rodoviária, pois o ônibus saía 5h da manhã, e o esquema de viagem aqui é bem diferente. Tinhamos que chegar bem cedo para esperar que chamassem nosso nome pra entrar. Eles chamam por ordem de compra da passagem, e era uma confusão de gente esmagada naquele esquema de empurra-empurra na porta do ônibus esperando. Graças a Deus nos chamaram rapidinho então pudemos escolher nosso lugar. Dentro do ônibus tem lugar de 2, o corredor pequenininho e lugar pra 3. Então escolhemos lugar de 2, e ficamos juntas. Foi entrando gente, e mais gente, e socando coisa lá em cima, e coisa em baixo...coisa de africano, e de brasileiro também (de quem puxamos?!!rs).
A viagem foi mais tranquila, já que por ser de madrugada estávamos com sono e estava mais fresquinho. O ônibus parou no horário de oração em frente uma mesquita. Impressionante! E triste, já que tem tanta dedicação a um deus que não existe.
O ônibus não tem poltrona reclinável, nem ar condicionado, e as janelas ficam fechadas, pq para os africanos está frio. Assim vai ficando um calorzão dentro do ônibus. Além disso na parada às 9h da manhã eles compravam macarrão com molho e vinham comer dentro do ônibus. O motorista buzinava de 5 em 5 minutos, não entendemos direito porquê. Acho que era pegadinha mesmo...rs! Na última parada estávamos morrendo de vontade de ir no banheiro, e não teve jeito de evitar...fomos. Agora, imagina um banheiro de rodoviária (q no Brasil já é horrível) sendo um buraco no meio do chão?! Nada agradável!
Descemos no meio do nada. Tinha uns motoqueiros esperando pra nos levar pra vila, e um carro pra levar nossas bagagens. Paramos pra almoçar num "restaurante"antes de seguir pra vila.
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Nas motos... |
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Nosso motorista, parece de filme! |
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Amontoados com a bagagem |
Depois seguimos mais ou menos 20 minutos na moto pra chegar na vila, chamada Nobi Nomade. Fiquei imaginando como conseguiram achar aquele lugar tão escondido! Quando chegamos, foi como se já chamasse a atenção de todo mundo. Eles tentavam nos dizer oi, ou falar coisas que não entendíamos, já que era outra língua totalmente diferente: tamashek. Nem sei explicar nossa primeira impressão ao chegar na vila. É no meio do nada. Só tem areia, as casas são de barro e não tem nada dentro, já que o banheiro é uma fossa fora da casa, e a cozinha é no chão do terreiro. Por ter escorpião, montamos as barracas (duas pra cada) e colocamos as malas dentro. Lá também tinham uns reservatórios de barro enormes para guardar grãos. Cada família tem o seu para guardarem o que conseguirem colher. Novamente, ouvimos que esse ano a colheita foi ruim e terá fome no Níger...O próximo passo era pedir a permissão do chefe da vila para realizarmos nosso trabalho lá.
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A mesquita da vila |
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Reservatórios de alimentos das famílias |
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Nossa casa |
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Nosso banheiro de fazer número 2 |
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Banheiro de número 1 e banho |
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Por dentro |
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Balde pra tomar banho |
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Barraca |
O chefe da vila (não nos deixou tirar foto) parecia o rei do lugar. Bem contraditório, já que o chefe também morava numa casinha de barro pequena. A diferença é que ele tinha carro, e os filhos dele eram mais instruídos e falavam francês (graças a Deus!). Tivemos que chegar, ajoelhar diante dele como que pedindo a benção e tínhamos que sentar no chão pra falar com ele como sinal de reverência. Ele aceitou nosso trabalho e disse que estava feliz com nossa chegada. Claro que já aproveitou para fazer uma consulta, mas ele está bem velho, e parecia ter falência hepática e doenças crônicas...E não queremos que ele morra, já que ele é muito acessível para um trabalho lá, e não sabemos se o sucessor será assim também.
Como não tinha luz, logo escureceu e não conseguíamos ver mais nada, só com lanterna. Fomos dormir cedo, pra acordar cedo no dia seguinte.
Na terça fomos de manhã ver o chefe antes de ir para nosso novo postinho organizar tudo e começar os atendimento. O postinho dessa vez era um posto de verdade. Existe um único posto para todas as vilas ao redor (em torno de 7.000 pessoas), e o responsável e único profissional de saúde era um enfermeiro, o Major. Ele acompanhou nossos atendimentos e tentamos dar bastante moral pra ele durante nosso tempo lá pra que as pessoas o procurassem quando fôssemos embora. Não deu pra ter sala de triagem, todos tinham que atender ao mesmo tempo, tanto pra viabilizar o tempo e atender o máximo de pessoas, quanto porque só tínhamos 2 salas.
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Uma parte do posto caída |
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Sala de atendimento |
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Major |
Parece que as vilas vizinhas sabiam que estávamos lá, e não tem como explicar a quantidade de pessoas que iam procurar atendimentos. Sabe aqueles famosos que precisam de segurança, e quando abre a porta tem um monte de gente esperando eles, e precisa de um segurança pra ele conseguir passar?! Era mais ou menos isso que víamos lá, porém o triste é que as pessoas que estou comparando aos fãs eram pessoas desesperadas por atendimento. O Major e os filhos do chefe ficaram conosco pra nos ajudar na tradução, e tenho quase certeza que só não invadiram o posto por respeito a eles. As pessoas ficavam nas janelas tentando mostrar a doença, e tínhamos que fechá-las pra conseguir atender, já que normalmente eram 3 atendimentos simultâneos na mesma sala, e alguns outros na outra sala esperando medicação. Foi uma loucura! E ficou muito calor lá dentro com a janela fechada, pacientes, crianças chorando e tradutores.
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As pessoas nas janelas pedindo atendimento |
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Na porta empurrando para entrar mesmo sem fichas |
Dessa vez tivemos tradução só da língua local para o francês, mas o Major entendia inglês também, o que facilitava o nosso trabalho.
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Nossos tradutores: o Sardoni (apelido carinhoso para o melhor tradutor!!!), o Major e o Taú (não sei como se escreve) |
O povo na vila era bem mais desnutrido que em Niamey. As mulheres não conseguiam manter o padrão de beleza (ser gorda). Todos eram bem magrinhos, e as criancas que nao eram desnutridas aparentemente, eram mais baixas que o normal para a idade. Porém eram menos anêmicas, já que tinham cabras, e comiam carne com mais frequência. Grande parte tinha intestino preso, pois não tem nada verde por lá, nenhuma salada, e a única orientação que podíamos dar era tomar colher de óleo. E praticamente todo mundo tinha verme, ao ponto de ver nas fezes.
A seleção de quem seria atendido foi feita pelo Major, que distribuía as fichas. A seleção foi um pouco injusta na minha opinião, porque tinham muitos adultos, mesmo assim chegaram alguns casos bem cabulosos para nós. Os mais cabulosos até agora.
Um caso que nos chocou foi uma mãe que chegou com gêmeas de 21 dias, uma pesando 1,500 Kg e outra pesando 1,100Kg. Quando vi aquilo depois do choque da semana passada, nem pude acreditar! Menores ainda, e duas?! A mãe estava desesperada porque não conseguia amamentar as crianças.
Observamos o aleitamento, a menorzinha só dormia, não tinha forças, e não tinha sucção. Começamos o NAN, e elas ficaram lá o dia todo conosco. No fim do dia ensinamos a mãe como preparar e instruímos para que ela voltasse no dia seguinte. Graças a Deus, tínhamos Nans, porque nem íamos levar para a vila, mas de última hora encontramos os Nans no Petit Marché, e resolvemos comprar...foi propósito de Deus mesmo.
No dia seguinte as pequeninas já tinham ganho quase 100 gramas cada. Comemoramos, e continuamos acompanhando. No final, entregamos a mãe várias latas de Nan, e o Major se comprometeu a acompanhar as crianças para que cresçam fortes. Instruí ele a ir aumentando o leite gradativamente caso elas aceitem bem sem intolerância.
Um garotinho tinha a pele tão seca que feriu e ficou infectada, bem feio. Isso ocorreu por falta de orientação, pois bastava passar óleo ou vaselina pra não ferir tanto.
Um homem estava morrendo, tinha edema pulmonar, e ascite, mas não queria ir ao hospital. Pregamos pra ele, pois se tinha decidido morrer, pelo menos que fosse salvo neh?!
Tinha um menino albino, lindo e sorridente, com os olhos bem azuis. Porém reparamos que ele sorria para o nada. Testamos a visão dele, e nada. Então começamos a orar. A Ana orou e eu fiquei do lado intercedendo. Ao final da oração a criança agarrou o esteto da Ana sorrindo, e acompanhou nossos dedos com os olhos. O Major viu e ficou impressionado. Foi lindo! Glória a Deus, que pode curar e fez isso na frente de todos!
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Senhorzinho bem desnutrido, que sofreu um derrame |
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Uma senhora desnutrida com febre muito alta |
A noite passamos o filme Jesus para eles na língua local no nosso quintal! Devia ter umas 200 pessoas lá pra assistir. Sabe-se lá quando eles viram televisão neh?! Usamos um gerador pra passar o filme. Alguns choraram quando Jesus foi crucificado. No segundo dia passamos de novo o filme, e na hora da crucificação paramos para falar sobre Jesus e perguntar quem queria oração. Ficamos impressionados porque na cultura islâmica eles não aceitam oração facilmente (nos outros lugares as mulheres sempre diziam que iriam pedir permissão ao marido e voltar depois), mas todos levantaram as mãos e ficaram ao nosso redor. Estava muito escuro, e nem conseguíamos enxergar por quem estávamos orando, mas oramos por todos que pediram, e vimos que essa vila está realmente muito aberta, e cremos que tem algo lindo pra acontecer lá.
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Com a escuridão não dá pra ver direito, e tentamos não tirar fotos para não distraí-los. |
Passamos muito calor a noite dentro das barracas, e nunca tínhamos privacidade!rs! Não tinha muro na nossa casa, então sempre tinha gente observando, perto do "banheiro". As mulheres entravam dentro da casa do nada pra conversar (sendo que a gente não entendia nada), e as crianças nos cercavam por todos os lados. Nos acompanhavam em todos os lugares, e pegavam nos nossos cabelos, nos davam as mãos, e achavam o máximo estar perto de nós, tirar fotos. Não só as crianças, como os adultos também! Eles tentavam conversar com a gente, imitavam a gente falando e davam gargalhadas de tudo que fazíamos, por exemplo, quando tentávamos falar algo na língua deles. E é muito gostoso o contato com o povo e o carinho deles conosco!
No último dia fomos ver camelos bem cedinho (dá pra ver nossa cara de sono!), e tiramos muitas fotos. Foi um momento muito bom! E vimos também alguns tuaregues que vivem em barracas.
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Olha que lindo! |
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Família tuaregue |
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O principal alimento deles: mileto |
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Claro que tivemos que experimentar o leite de camelo! |
Depois fomos para o postinho atender de manhã, e a tarde, enquanto a Ana e a Mirian iam atender a família do chefe, eu e a Jéssica fizemos uma conscientização no local dos atendimentos. Foi engraçado porque ficamos super encurraladas na parede, mas todos nos ouviram com atenção. Falamos sobre higiene (muito importante por causa dos vermes, causa de diarréia em quase todas as crianças), ressecamento da pele, conjutivite, problemas estomacais, intestino preso e outros assuntos importantes. Depois falamos sobre Jesus, e novamente todos quiseram oração. E parecia que enquanto falávamos e mostrávamos os desenhos eles iam entendendo, e fazendo sons de quem finalmente compreende algo grande! Momento muito bom. Depois brincamos com as crianças e fomos atender a família do chefe. Já tinha muita gente lá, e impressionante a quantidade de pessoas que pedia oração!
Quando fomos embora, vimos os rostinhos tão tristes....eles nos disseram que não queriam que fôssemos embora. Acho que nada que eu escreva aqui pode explicar como foi na vila, e quão gratificante foi o trabalho lá. Estou com medo do post ficar gigante, e ainda não deu pra contar metade do que aconteceu! Vale a pena ouvir pessoalmente!
A volta foi TERRÍVELLLL!!!!!!!!!!!!!!!! Não tem como explicar!!!!! Pegamos o ônibus umas 10:00 da manhã, e como este já vinha de outro lugar, não tivemos o privilégio de escolher o lugar como na ida. Eu e a Jéh fomos do lado de um africano. Do nosso outro lado tinha uma mãe com sua filhinha linda, que ria pra nós o tempo todo. Mas comia o tempo todo também, frango, ovo cozido, pão com carne, e jogava os ossos, as cascas, tudo no corredor (o que deixava o ambiente com uma mistura de odores e muito sujo)...o ônibus estava lotado e estava um calor insuportável. A Ana e a Mirian ficaram esmagadas no meio de uns homens grandões e uma mãe com um neném e outra criança de colo. Elas praticamente dividiram uma cadeira e meia, intercalando os ombros. Foi nessa hora que apareceu uma coca "de Deus". A melhor das nossas vidas. Mesmo assim, demoramos horrores pra chegar em Niamey, muito sujas, cansadas e com calor. Foi uma viagem sem fim. Mas graças a Deus, deu tudo certo!
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O ônibus... |
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Nossa linda vizinha de poltrona |
E para terminar algumas fotos interessantes:
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Poço na vila |
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Posto de gasolina na estrada |
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O lindo sol do Níger, que parece uma lua cheia iluminada! |
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O jaleco da Ana pós viagem (kkk) |
Fomos embora da vila com o coração na mão. Espero que Deus guarde aquelas pessoas, e que o major faça um uso certo e bom dos medicamentos que doamos pra ele. Que as bebês cresçam bem, e que tudo que foi plantado seja colhido.
Amém.